Tal como temos vindo a aprender nas várias semanas do mês da Neuropsicologia podemos compreender que desde o início do desenvolvimento do sistema nervoso que podem ocorrer alterações neurológicas e neuropsicológicas de gravidade variável. Esta semana destacamos a importância da Reabilitação Neuropsicológica e do Treino Cognitivo nas crianças que sofrem de qualquer alteração no desenvolvimento do sistema nervoso.
Na reabilitação neuropsicológica pediátrica deve-se partir da linha de base obtida na avaliação neuropsicológica, para se definir o plano individual de intervenção que combine as estratégias e técnicas de acordo com as necessidades de cada criança. O plano de intervenção pode centrar-se nas áreas cognitivas mais deficitárias ou menos estruturadas, nas áreas cognitivas mais preservadas/adequadas, ou em ambas.
Ao longo dos anos têm sido desenvolvidas inúmeras investigações e teorias acerca da forma como tratar tais alterações neurológicas e neuropsicológicas. Os primeiros programas sistemáticos de reabilitação neuropsicológica surgiram na Alemanha, durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e desde então que se têm desenvolvido inúmeras técnicas de reabilitação cognitiva.
Mais recentemente o psicólogo Reuven Feuerstein ao rejeitar a crença de que as pessoas ao nascer trazem uma estrutura pré-determinada e fixa de inteligência, desenvolve o conceito de modificabilidade cognitiva estrutural que concebe o ser humano como um sistema aberto, susceptível à mudança em qualquer etapa do seu desenvolvimento. A modificabilidade cognitiva estrutural constitui-se na capacidade potencial do ser humano de transformar e transformar-se, re-significar conhecimentos, conceitos, capacidades, procedimentos, atitudes e competências.
A partir destas considerações pode-se afirmar que as capacidades cognitivas dos sujeitos podem ser potencializadas através de um processo de mediação. Portanto, a modificabilidade cognitiva deriva da experiência de aprendizagem mediada, que possibilita ao ser humano responder de uma forma autoplástica às exigências apresentadas pelo contexto que se encontra, por sua vez, em constante modificação.
A autoplasticidade possibilita mudanças no organismo, fazendo com que a criança use, progressivamente, formas mais elaboradas de funções mentais, permitindo com isso organizar a realidade e usar experiências passadas como um modo de planear, antecipar e facilitar situações desejáveis e, também, prevenir as indesejáveis da sua concretização.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, a reabilitação é o processo de restabelecimento dos pacientes ao nível mais elevado possível no plano físico, psicológico e socio-adaptativo, utilizando todos os meios possíveis para reduzir o impacto das condições incapacitantes, para permitir que as pessoas alcancem um adequado nível de integração social.
A reabilitação e o treino cognitivo pretendem estes mesmos objectivos, ou seja, potenciar ao máximo os recursos intelectuais do sujeito mediante um treino das funções mais deficitárias, através de um conjunto de técnicas que permitem alcançar um maior rendimento nas atividades intelectuais assim como uma melhor integração e adaptação socio-afetiva.
A estimulação cognitiva específica, realizada diariamente, pode melhorar o metabolismo nas áreas cerebrais estimuladas. Desta forma, afirma-se que os ambientes mais estimulantes e enriquecedores favorecem o desenvolvimento e a recuperação das funções mentais, ocorrendo o contrário se a criança for insuficientemente estimulada.
A reabilitação neuropsicológica tem sido aplicada em muitos casos de distúrbios que afetam o sistema nervoso como lesões neurológicas por traumatismo ou, por exemplo, a Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção.
O sistema nervoso central é o centro programador da actividade cognitiva e tem a capacidade de modificar a sua estrutura. Quando nascemos dispomos de um equipamento básico formado por células e circuitos nervosos, no entanto, a modelação do sistema nervoso continua ao longo do ciclo da vida. As alterações do sistema nervoso produzem modificações na sua estrutura ou no seu funcionamento, mas também é possível a sua modificação através da experiência e aprendizagem, assim como, mediante a utilização do treino cognitivo com exercícios específicos.
Qualquer nova aprendizagem que realizarmos ao longo da nossa vida pode produzir mudanças no sistema nervoso: aprender a andar de bicicleta; memorizar um texto; ou aprender a cozinhar. O nosso cérebro está em permanente ebulição, esperando receber informações para as processar e melhorar o seu funcionamento. É possível, portanto, modificar os circuitos nervosos que interconectam as células nervosas, mediante um treino cognitivo para melhorar a capacidade de atenção, memorização, raciocínio ou percepção.
O objectivo da reabilitação neuropsicológica e do treino cognitivo é alcançar a melhoria das funções mentais, através de exercícios específicos, procurando potenciar as áreas mais deficitárias do sistema nervoso para produzir mudanças consolidadas na sua estrutura neuroquímica. A plasticidade cerebral permite que o treino cognitivo produza melhorias significativas tanto em sujeitos saudáveis, como em sujeitos com lesões/alterações cerebrais, em qualquer momento do ciclo de vida.
Filipa Lourenço – Neuropsicóloga Pediátrica